Monday, October 26, 2009

CAPABLANCA, UM MONARCA DO XADREZ!


José Raul Capablanca y Graupera, nasceu em Havana, a capital cubana, em Novembro de 1888. É indubitavelmente um dos maiores génios da história do xadrez, disputando com o norte-americano Bobby Fischer e o russo Garry Kasparov o título de Melhor Xadrezista de todos os tempos.
A sua aprendizagem no jogo-ciência foi miraculosa: numa tarde casual, observou seu pai jogar com um amigo. No dia seguinte voltou a observá-los. No terceiro dia seu pai fez um movimento irregular de cavalo e ganhou a partida. O menino notou ao pai a irregularidade; este pasmou e perguntou o que entendia ele de xadrez, ao que respondeu que poderia derrotá-lo. E assim aconteceu. Em sua primeira partida de xadrez e com apenas quatro anos de idade, José Raul Capablanca, derrotou seu pai! Eram as primeiras manifestações do menino prodígio.
No ano de 1901, com apenas doze anos de idade, disputou o título de Campeão de Cuba com Juan Corzo y Principe, de vinte e oito anos. Depois de um início desvaforável de duas derrotas, o milagre aconteceu; Capa, como também era conhecido, triunfou com quatro vitórias, três derrotas e seis empates, tornando-se no mais novo campeão de sempre da ilha!
Em 1904 a família enviou-o à Nova York, para estudar engenharia química. Todavia, foi trocando os estudos por visitas ao famoso Manhattam Chess Club. E também aí o seu talento rapidamente se impôs: em 1906, numa competição de partidas rápidas defrontou pela primeira vez, o Campeão do Mundo, o alemão Emanuel Lasker! Vencido, o grande Lasker não escondeu o deslumbre: “é assombroso, jovem, você jogou sem cometer erros”.
Em 1909 disputou um match com o campeão norte-americano, Frank Marshall –derrotado dois anos antes por Emanuel Lasker, na luta pelo título–. E Marshall foi grandemente derrotado, com oito vitórias, uma derrota e sete empates, tendo Capablanca se autoproclamado campeão panamericano.
Em 1911 realizou-se em San Sebastián, Espanha, um fortíssimo torneio. À excepção do Campeão Lasker, estiveram os mais fortes jogadores da altura: Akiba Rubistein, Carl Schlechter, Aron Nimzovitsch, Frank Marshall, Ossip Bernestein, etc. A participação do jovem cubano foi deveras contestada por não reunir palmarés para competir entre os melhores. Frank Marshall foi o seu grande defensor, utilizando a vitória do cubano sobre ele, como argumento. E José Raul Capablanca venceu surpreendentemente o torneio, com seis vitórias, sete empates e apenas uma derrota, com Rubistein. A sua partida com Bernestein –curiosamente um dos opositores à sua participação– recebeu o prémio beleza do torneio.
Depois do grande sucesso de San Sebastián, Capablanca desafiou Emanuel Lasker, para o título mundial. Todavia não chegaram a entendimento por este discordar as condições apresentadas por Lasker.
Os anos seguintes testemunharam a sua afirmação como candidato-primeiro à coroa, com participações notórias em torneios e matchs: Havana-1913, segundo classificado atrás de Marshall; Nova York-1913, primeiro classificado invicto com score perfeito de treze vitórias e nenhum empate; San Petersburg-1914, segundo classificado atrás de Lasker; Hastings-1919, primeiro classificado.
Em San Petersburg-1914 estiveram os mais fortes xadrezistas de então: Lasker, Alekhine, Tarrasch, Marshall, Nimzowitch, Janowski, etc. No fim do torneio, Zar Nicolas II chamou de “Grandes Mestres de Xadrez” os cinco ganhadores de prémios. Daí o título de Grande Mestre (GM) em uso no xadrez.
Capa cilindrou ainda em Havana, 1919, o sérvio Borislav Kostić, com cinco vitórias consecutivas, tendo Kostić desistido do match.
Em 1920, Lasker renunciou o título para Capablanca: o domínio do cubano ofuscava! Todavia Capa recusou, exigindo match. E o match Lasker-Capablanca aconteceu em Havana, 1921, tendo José Raul Capablanca derrotado Emanuel Lasker, com quatro vitórias dez empates e nenhuma derrota, tornando-se no primeiro Campeão do Mundo invicto. Cerca de oito décadas depois –em Londres, 2000– Wladmir Kramnik tornar-se-ia no segundo Campeão invicto ao derrotar Garry Kasparov com duas vitórias e treze empates.
Como Campeão, Capablanca participou nos torneios: Londres-1922, primeiro lugar; Nova York-1924, segundo lugar; Moscovo-1925, terceiro; New Jersey-1926, primeiro; e New York-1927, primeiro: neste fortíssimo torneio, o seu sucesso foi assustador. Passou todo torneio sem derrotas e distanciou-se 2.5 pontos do segundo classificado, o russo (mais tarde naturalizado francês) Alexandro Alekhine que com o segundo lugar, ganhou direito de discutir o título com José Raul Capablanca.
O famoso match Capablanca-Alekhine aconteceu em Buenos Aires, Argentina, em 1927. Sagrar-se-ia Campeão o primeiro a somar seis vitórias. Um grupo de empresários argentinos e o presidente argentino, garantiram a fabulosa soma de USD10000 (cerca de USD391000 em 2006) exigida pelo Campeão, de acordo com as Regras de Londres, de 1922. Antes de Alekhine, Rubistein e Nimzowitsch desafiaram Capablanca, todavia ao não conseguirem a importância, ficaram excluídos da luta pelo título.
Por aqueles tempos, Capa gozava fama de (quase) invencível –de 1916 a 1924, não perdeu nenhuma partida! –. Seus contemporâneos, impressionados, apelidaram-no “Máquina de Xadrez”! O próprio Capa assim pensava: “Houve períodos na minha vida em que pensava que não podia perder nenhuma partida. Mais tarde sofria uma derrota, e isso fazia que despertasse dos meus sonhos e regressasse à terra”. Seu estilo de jogo, simples, lógico e objectivo; sua fantástica e precisa rapidez de raciocínio; e sua técnica apuradíssima, faziam-no favorito contra qualquer adversário. Ao génio, bastavam breves instantes de análise: “Eu sei a simples vista como há-de tratar-se uma posição, o que pode ocorrer, o que vai suceder; outros fazem ensaios, mas eu sei, eu sei”! Fiando-se em seu talento natural, muito pouco ou nada estudava xadrez: “Jamais estudei xadrez. Só estudo xadrez quando jogo uma partida”. Entretanto com o decorrer do tempo e o amadurecimento de outros talentos, seus dotes genias, todavia carentes de preparações cuidadas, foram-se revelando insuficientes. E a “Máquina de Xadrez” comecou a apresentar imprecisões! Alekhine, muito atento, há anos vinha estudando com exaustão o jogo do cubano...
Na primeira partida do match, o Campeão Capablanca conduziu as peças brancas...e ante o pasmo geral, Alekhine derroto-o! O mito da invencibilidade de Capa comecou a ruir! Numa maratona de trinta e quatro partidas jogadas, Alexandro Alexandrovich Alekhine tornou-se no quarto Campeão do Mundo, com seis vitórias, três derrotas e vinte e cinco empates. Durante mais de meio século, foi o mais longo Campeonato do Mundo de Xadrez. Nos anos oitenta, Karpov e Kasparov estabeleceriam novo record de longevidade de Campeonatos do Mundo.
Depois de se assentar no trono, Alekhine defendeu com êxito o título diante do ukraniano Efim Bogoljobov, em 1929 e 1934. Em 1935 perdeu-o para o Hollandes Max Ewe porém recuperou em 1937. Todavia foi implacável com Capablanca: não lhe deu chances de voltar a lutar pelo título e fechou-lhe as portas aos torneios em que participava.
A morte acolheu José Raul Capablanca no seu elemento: estava no Mahattam Chess Club a assistir uma partida de xadrez quando teve um AVC (acidente vascular cerebral). Faleceu a 7 de Março de 1942, no Hospital Mount Sinai, de Nova York, onde um ano antes tinha sucumbido Emanuel Lasker.
No geral, o mundo perdoa-lhe a perca do título e procura justificações. GM argentino Miguel Najdorf: “Este match não ganhou Alekhine, perdeu-o Capablanca". Borislav Kostić: “Capablanca perdeu contra Alekhine porque se encontrava enfermo durante o match”. Outros ainda, atribuem o fracasso do génio – de avantajados atractivos físicos, sendo amiúde assediado por mulheres – por na altura do match, se ter divertido com demasiadas bailarinas…
As suas partidas e seu estilo de jogo seguem sendo fonte contínua de inspiração. Em grandes Campeões – ainda que apresentando estilos de jogo diferentes – a sua influência é viva. Mikhail Botvinnik, Tigran Petrosian, Bobby Fischer, Anatoly Karpov, Wladmir Kramnik, etc. são algumas referências.
Sobre Capa, o grande Emanuel Lasker: “Conheci muitos jogadores de xadrez, mas entre eles só um génio, Capablanca!”. A. López: “é considerado como o maior talento natural da história do xadrez”. Ao homenageá-lo, Alekhine esteve muito próximo da verdade – não fosse, talvez, ter nascido mais tarde, um Bobby Fischer – quando escreveu: “Com a sua morte perdemos um grande génio xadrezístico, de cujo calibre nunca voltaremos a ter”.
Também a poesia canta maravilhas ao monarca. Nicolás Guillén, poeta cubano, dedica parte do seu poema “Desportos” ao prodígio de Havana:
“Asi pues Capablanca/no esta em su trono, sino que anda,/camina, exerce su goberno/en las calles* del mundo.”


Décio Bettencourt Mateus

Artigo publicado no Semanário Angolense, 24 a 31 de Janeiro de 2009.

*: ruas

Referências:
http://canal-h.net/webs/rguerrero001/Espectacular13.htm
http://www.capablanca.co.cu/?q=node/55
http://en.wikipedia.org/wiki/Capablanca
http://www.mark-weeks.com/chess/wcc-indx.htm
Fine, Reuben – The Psychology of the Chess Player, 1967.