Monday, August 16, 2010

Xadrez & política: Spassky - Fischer


1972: União Soviética e Estados Unidos da América, disputam desenfreadamente o domínio político, militar, económico, espacial… do planeta. A disputa – conhecida por guerra fria – é extensiva ao desporto. E também o xadrez, modalidade dominada pelos russos há cerca de meio-século:

Mikhail Chigorin é o primeiro xadrezísta russo a tentar o título de Campeão do Mundo, em 1889 e 1892 diante do austríaco Wilhelm Steinz. Todavia sem sucesso.

Os russos teriam de esperar até 1927, para ver Alexander Alexandrovich Alekhine - um (ex)compatriota -, sagrar-se Campeão do Mundo, ao derrotar o cubano José Raul Capablanca, em Buenos Aires. (Alekhine naturalizar-se-ia francês há escassos dias do match com o cubano).

Alekhine reina dezassete anos. Em 1946 negociava o título com o russo Botvinnik, quando morre, deixando o trono vago. Realiza-se então um torneio em 1948, saindo vencedor e coroado Campeão, Mikhail Botvinnik.

Botvinnik reina de 1948 a 1963. No referido intervalo de tempo, o russo perde temporariamente o título para os soviéticos, Vassily Smislov da Rússia e Mikhail Tal da Letvia. Todavia derrota-os, em respectivos matchs de desforra, recuperando o título.

Tigran Petrosyan, soviético georgiano é quem termina o domínio de Botvinnik derrotando-o em 1963.
Petrosyan é campeão até 1969, em que é destronado – na segunda tentativa, sendo a primeira em 1966 – pelo compatriota russo Boris Spassky que leva o título de volta à Moscovo.
Spassky coloca o título em jogo em 1972. Todavia, pela primeira vez em trinta e cinco anos – desde o holandês Max Euwe, em 1937 –, o pretendente à coroa não é soviético…
Mas onde andaram os xadrezístas do ocidente, desde Alekhine, Botvinnik, Smyslov, Tal, Petrosyan e Spassky, em meio século de dominância russo-soviética?
O argentino Miguel Najdorf, o norte-americano Samuel Reshevsky e o dinamarques Bent Larsen, são os mais sonantes ocidentais. Entre eles, é Larsen quem mais inquietações causa. Todavia insuficientes para pôr em risco a “coroa russa”.

Entretanto, em 1943 em Chicago, EUA, nasce Robert James Fischer, ou simplesmente Bobby Fischer. (Também nos EUA nasceram antes, Paul Charles Morphy e Harry Nelson Pillsbury, dois génios).

Bobby Fischer aprendeu a jogar xadrez aos seis anos, com a irmã mais velha que cedo passou a vencer. E cedo tornou-se obcessivo pelo jogo.
Com apenas treze anos, Bobby vence espetacularmente o compatriota Donald Byrne, numa partida conhecida como “partida do século”, e desperta curiosidade dos russos, conforme o Grande Mestre russo Yuri Averbach: “Depois de analisar a partida cheguei a conclusão que o rapaz era marcadamente talentoso”.

Com quinze anos, protagoniza facto inédito de grande sensação: vence invicto o campeonato dos EUA! E ganha direito de jogar o torneio Interzonal, qualificativo ao Campeonato do Mundo. (Fischer vencer-ia os 8 campeonatos dos EUA em que participou, sendo o último em 1966/67! Em 1963/64, o seu score é de 100%: 11 vitórias em 11 partidas!)
Em seguida, vai à Moscovo, em preparação para o Interzonal. Ainda no aeroporto, o adolescente anuncia reluctante: quero jogar com o Campeão do Mundo Mikhail Botvinnik!

Ainda com quinze anos, No Interzonal de Portoroz, 1958, volta a centrar atenções e admirações, classificando-se em quinto lugar - como tinha previsto -, tornando-se no mais jovem Grande Mestre da história. Ganha assim direito a disputa do Torneio de Candidatos – cujo vencedor discute o título com o Campeão do Mundo. É o mais jovem candidato de sempre à coroa do xadrez!

Aos dezasseis anos, Bobby abandona a escola: “Eu queria ser Campeão do Mundo e a este respeito a escola nada tinha para me oferecer”.

O seu primeiro grande sucesso internacional acontece no interzonal de Estocolmo, 1962, que vence folgado à frente dos gigantes soviéticos Petrosyan, Korchnoy e Geller. (Apartir daí, os soviéticos olham-no como uma séria ameça à sua hegemonia).
Todavia não foi além dum quarto lugar no Torneio de Candidatos em Curaço, 1962. Desgostado, acusa os xadrezístas soviéticos de jogo de equipa, e em protesto abstém-se de competir nos anos subsequentes.

Regressa aos torneios em 1965, no Memorial Capablanca, segundo classificado atrás de Smyslov. No Interzonal de Sousse, em 1967, Bobby protagoniza um dos lances mais polémicos da sua carreira: estando a liderar invicto o torneio, retirou-se por desavenças com a organização da prova. Perde mais uma oportunidade de lutar pelo título.

Apartir de 1970, Fischer atinge o zénite xadrezístico. Vence um match e três torneios fortíssimos: no match URSS v Mundo, em Belgrado, derrota no segundo tabuleiro Petrosyan por 3:1! Depois vence em Rovinj/Zagreb; e em Buenos Aires (retratando-se do desastroso décimo-quarto lugar em 1960, na mesma cidade). Todavia é no Interzonal de Palma de Maiorca que pasma o mundo, distanciando-se 3.5 pontos do segundo classificado! Deixa claras suas pretensões ao título mundial.

Em 1971 o norte-americano produz resultados miraculosos e assina das páginas mais espetaculares e brilhantes da história do xadrez: nos Matchs de Candidatos, esmaga o russo Mark Taimanov por 6:0 (!!), em Vancouver. Em Denver, cilindra o dinamarques Bent Larsen pelo mesmo score: 6:0!! E finalmente Buenos Aires, vence Tigran Petrosyan por 6.5-2.5, ganhando direito de defrontar o campeão Boris Vasilievich Spassky.

O duelo Spassky v Fischer, “Match do Século”, teve lugar em Rejkjavyk, capital da Islândia, de Julho a Setembro de 1972, com a muita atractiva (na altura) soma de USD 250 mil.

A atmosfera pré-match é ligeiramente favorável a Fischer, especialmente pelos resultados extraordinários em 1970/71, no Interzonal e Torneio de Candidatos: jogou 44 partidas, venceu 32, empatou 10 e perdeu somente 2 (com Larsen e Petrosyan)! Ademais nestas duas competições de altíssimo nível, estabeleceu um record de 19 vitórias consecutivas!

Os russos, há muito inquietos com a ameça Fischer ao título, desdobraram-se em medidas a alto nível, estudando-o em profundidade, num dossier conhecido como “O Problema Fischer”: relatórios confidenciais detalhando aspectos pessoais, psicológicos, análises de jogos e recomendações, são produzidos pelos melhores xadrezístas, estudiosos e outros especialistas soviéticos, em orientação do Comité dos Desportos, orientado pelo Partido Comunista Soviético. Os relatórios tornar-se-iam públicos em livro “Russian versus Fischer”, 1994. Portanto, Boris, o campeão Spassky estava bem orientado.

Na primeira partida do match, Spassky fez o habitual nele: vencer Fischer com as peças brancas – antes, o russo tinha vencido o norte-americano três vezes e empatado duas. A segunda partida, Fischer perde por falta de comparência – inédito em campeonatos do mundo! Repetido por Kramnik no seu match com Topalov, 2006 –. Protestou as condições em que jogavam: barulho dos espectadores, iluminação, camaras de televisão, fotógrafos, etc. Ameaçou mesmo retirar-se do match. Muitas cedências e intervenções – culminadas com um telefonema de Henry Kessinger, Secretário de Estado norte-americano, e um Fischer radiante “Ok, eu lutar contra os russos”, – e Fischer, para alívio do mundo regressou ao match.
Na terceira partida Bobby vence Spassky pela primeira vez. Venceu o match no final de 21 partidas, com 7 vitórias, 11 empates e 3 derrotas, levando o coroa para os EUA pela primeira vez! (Seu compatriota Morphy foi Campeão do Mundo sem coroa. Na altura não havia ainda mundial de xadrez). Quebrou o longo domínio de quase cinquenta anos da escola russa.

Infelizmente o Campeão Robert Fischer, voltou a hibernar xadrezísticamente. Quando em 1975 o russo Anatoly Karpov se apresenta para enfrentá-lo, Fischer - desentendido com a FIDE - renuncia o título, por esta não aceitar as condições que defendia para a defesa do mesmo.

Regressou vinte anos depois, 1992, em Sveti Stefan e Belgrad. USD 5 milhões na mesa – um record no xadrez, até hoje - e o génio norte-americano saiu do esconderijo, aceitando novo match com o velho rival de estimação, o russo (agora) francês Boris Spassky. Voltou a vencê-lo com 10 vitórias, 5 derrotas e 15 empates. Todavia o match – na Jugoslávia, na altura sob embargo das Nações Unidas – custou-lhe a liberdade no seu País. Tornou-se fugitivo, Hungria, Alemanha, Filipinas e Japão onde depois de vivência é detido e quase deportado. Em seu socorro veio a Islândia – em reconhecimento por ter colocado a pequena ilha vulcânica no mapa do mundo, ao derrotar Spassky –, oferecendo cidadania e guarida. Quando aterrou na Islândia em 2005, era perceptível que sua saúde física estava debilitada. Nos últimos anos padeceu também de perturbações mentais, tal como Morphy, curiosamente. Faleceu em 2008 de insuficiência renal. Também na morte foi um autêntico xadrezísta: morreu aos 64 anos de idade, igual número de casas dum tabuleiro de xadrez.

É seguramente um dos maiores fenómenos da história do xadrez. Uma das maiores revoluções dentro e fora dos tabuleiros que o jogo ciência conheceu. Para muitos Bobby Fischer é, indubitavelmente, o melhor xadrezísta de todos os tempos.
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por Décio Bettencourt Mateus.
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Artigo publicado no Semanário Angolense, edição 380, 14 de Agosto de 2010.

Sunday, May 16, 2010

ANAND, CAMPEÃO DO MUNDO!



O indiano Viswanathan Anand, conservou o título de Campeão do Mundo de xadrez, derrotando o búlgaro Veselin Topalov, por 6.5-5.5, em Sófia, capital da Bulgária.

No match – acontecido de 24 de Abril a 11 de Maio de 2010 –, sagrar-se-ia campeão o melhor em doze partidas jogadas. O prémio foi de € 2 milhões, numa organização encabeçada pelo primeiro-ministro búlgaro, Boyko Borisov.

Inicialmente previsto para 23 de Abril de 2010, o mundial de xadrez acabou sofrendo um (ligeiro) adiamento de um dia – a pedido do Campeão do Mundo –, por um motivo: Eyjafjallajökull, o vulcão da Islândia que paralizou os céus da Europa com as suas cinzas!
Tendo partido de Madrid de avião, Anand acabou fazendo por estrada o resto do percurso, via Frankfurt, Áustria, Roménia e Bulgária, num total de 40 horas (!), chegando à Sófia somente a 20 de Abril.

A primeira partida do match foi ganha por Topalov, com as peças brancas (o indiano bem que pode se queixar do consaço da viagem, já que o seu pedido de adiamento de três dias foi reduzido a um. Anand venceu a segunda e quarta partidas. Topalov venceu a oitava, igualando. Por fim, Anand venceu a décima-segunda e última partida, com as peças negras (a única vitória das negras no match e a primeira de Anand de negras sobre Topalov), levando a coroa de volta para a India. As restantes sete partidas terminaram empatadas. Em caso de empate, o campeão seria encontrado em partidas de ritmo acelerado.

Vishy – como carinhosamente é chamado Anand –, há muito que faz parte da elite xadrezística mundial. Conquistou o título de Campeão do Mundo FIDE em 2000, derrotando Alex Shirov, em Teerão. Por aquela altura a organização do xadrez encontrava-se dividido em FIDE (Federação Internacional de Xadrez) e PCA (Associação Profissional de Xadrez), havendo dois campeões.

Veselin Topalov tornou-se campeão do Mundo FIDE em 2005, em São Luis, Argentina, ao vencer um torneio de duas voltas. Entretanto viria a perder o título um ano depois, em 2006, para o russo Vladmir Kramnik, no match de reunificação FIDE e PCA.

Viswanathan Anand viria a destronar Vladmir Kramnik e tornar-se pela primeira vez Campeão do Mundo Unificado em 2007, na cidade do México, vencendo um torneio a duas voltas. (De forma semelhante tornou-se Campeão do Mundo Mikhail Botvinnik, em 1948, vencendo um torneio em Hage e Moscovo.

Anand viria a defender o título em 2008, na cidade alemã Bona, diante do destronado Vladmir Kramnik, derrotando-o por margem folgada.

O match Anand - Topalov teve a interessante particularidade de ser o primeiro desde 1927 – altura em que o russo-francês Alexander Alekhine tornou-se campeão –, em que nenhum dos contendores é russo ou da ex-URSS. Sinal evidente do fim do grande domíno da escola russa sobre o xadrez mundial. O colapso da ex-URSS e do bloco socialista, a globalização e a nova era da informática no xadrez, são factores decisivos da perda de tal domínio.
Anand junta assim o seu nome ao do holandes Dr. Max Euwe e do norte-americano-islândes Bobby Fischer, à lista de campeões não-russos (ou soviéticos), desde 1927.

Outra interessante particularidade do match, é de ser o quarto na história do xadrez em que um dos contendores joga em casa. O primeiro aconteceu em 1925 em Havana, tendo o cubano José Raul Capablanca derrotado o alemão Emanuel Lasker. Depois foi a vez do holandes Dr Max Euwe tornar-se campeão em casa, derrotando Alekhine, em 1935. Todavia viria a perder o título para o mesmo, dois anos depois na Holanda, igualmente.

Muito provavelmente, a Veselin Topalov restará o (bom) consolo de ter sido já Campeão do Mundo FIDE; depois de duas não sucedidas tentativas ao título unificado. Esta dupla tentativa ao ceptro máximo, traz-nos à memória outro nome grande da história do xadrez, o russo-suiço Viktor Korchnoi, de igual forma duplamente derrotado, em 1978 e 1982, por Anatoly Karpov. Também Chigorin, Janowski e Bogoljubov tiveram sorte semelhante nas duas tentativas, respectivas, à coroa xadrezística

A vitória de Anand – o primeiro Campeão do Mundo não-branco –, é, indubitavelmente motivo de grande inspiração à juventude, especialmente dos países subdesenvolvidos. É mais uma demontração de que na força de vontade, talento e trabalho árduo, está o caminho decisivo para a vitória. E para o sucesso.

Num País com grandes talentos xadrezísticos, como o nosso (Angola); num País que já produziu três campeões africanos júniores – Adérito Pedro, Eugénio Campos e Vladmir Pina –; e já viu um atleta seu, Adérito Pedro defrontar um Grande Mestre do topo, Vassily Ivantchuk – na altura o jogador número um do raking da FIDE –; a vitória de Viswanathan Anand deve servir de incentivo aos jovens praticantes e de reflexão e impusionamento ao desenvolvimento da modalidade.
William Steinitz ao perceber-se derrotado por Emanuel Lasker, na luta pelo título, exclamou entusiasmado: três vivas ao novo Campeão! E Emanuel Lasker, repetiria o mesmo a Capablanca que o derrotou. Nós diríamos também: três vivas ao Campeão Viswanathan Anand!
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por Décio Bettencourt Mateus.
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Artigo publicado no Semário Angolense, edição 367.